A ultrassonografia (USG) pode ser utilizada como mĂ©todo de diagnĂłstico complementar da hansenĂase atravĂ©s da identificação da neuropatia. A hansenĂase Ă© a Ășnica condição na qual a avaliação da hipertrofia neural Ă© central para o diagnĂłstico,1 sendo proposto pela Organização Mundial da SaĂșde como um dos trĂȘs critĂ©rios para definição de caso da doença .2 O exame fĂsico neurolĂłgico simplificado, incluindo a palpação dos nervos perifĂ©ricos, auxilia no diagnĂłstico do espessamento neural e da neurite, no entanto Ă© subjetiva mesmo para profissionais bem treinados.3 A hansenĂase Ă© uma doença neural podendo ter ou nĂŁo manifestaçÔes cutĂąneas.4â10 Por outro lado, casos de neuropatia perifĂ©rica acompanhados de espessamento neural, com ou sem manifestaçÔes cutĂąneas, devem levar o clĂnico a suspeitar do diagnĂłstico da hansenĂase.11
A USG de alta resolução (HRUS) modos bidimensional e Doppler possibilitam avaliar toda extensão dos nervos periféricos superficiais e profundos; aferir e quantificar a årea seccional transversa (CSA) e o diùmetro do epineuro e perineuro em vårios segmentos neurais; caracterizar os padrÔes fasciculares e a ecogenicidade; identificar presença ou não de vascularização endoneural ou perineural.12
A USG de alta resolução (HRUS) nos modos bidimensional e Doppler possibilitam:
Avaliar toda extensão dos nervos periféricos superficiais e profundos;
Aferir e quantificar a ĂĄrea seccional transversa (CSA) e o diĂąmetro do epineuro e perineuro em vĂĄrios segmentos neurais;
Caracterizar os padrÔes fasciculares e a ecogenicidade;
Identificar presença ou não de vascularização endoneural ou perineural.12
HRUS Ă© capaz de identificar um maior nĂșmero de nervos alterados e uma maior extensaÌo das alteraçoÌes, mesmo nas ĂĄreas inacessĂveis Ă palpação ou quando o exame clĂnico da palpação de nervos perifĂ©ricos deixa o examinador com dĂșvida se hĂĄ ou nĂŁo espessamentos. Sendo preciso e objetivo, pode auxiliar trazendo novos parĂąmetros para o diagnĂłstico da hansenĂase e o reconhecimento precoce das neurites, especialmente nas fases de reação da doença.13â15 Comparando-se HRUS com estudo eletrofisiolĂłgico conclui-se que sĂŁo mĂ©todos complementares. E, HRUS tem melhor custo-benefĂcio se comparado a ressonĂąncia nuclear magnĂ©tica.17
Os nervos perifĂ©ricos sĂŁo constituĂdos por axĂŽnios mantidos juntos por um fino endoneuro (camada interna), agrupados em fascĂculos cobertos pelo perineuro e reunidos no nervo, que Ă© circundado pelo epineuro (camada externa) (figura 1). As imagens ecogrĂĄficas mostram os nervos como estruturas hipoecoicas com padrĂŁo fascicular fino. No eixo longitudinal aparece como estruturas tubulares hipoecoicas entremeadas por linhas hiperecoicas e revestida externamente por uma linha hiperecoica (padrĂŁo em cabo ou corda) (figura 1). No eixo transversal apresenta-se arredondado ou ovalado, com mĂșltiplas imagens hipoecoicas arredondadas (fascĂculos neurais) no interior, localizadas em um fundo hiperecoico (epineuro + perineuro), aparĂȘncia esta descrita como âfavos de melâ ou fascicular conjuntivo (figura 1).18â20
A USG dos nervos perifĂ©ricos deve verificar a CSA, analisar presença ou ausĂȘncia de Doppler e ser feita bilateralmente. Este mĂ©todo apresenta alta sensibilidade e acurĂĄcia para diagnosticar, localizar e avaliar o espessamento dos nervos perifĂ©ricos quando comparado com exame neurolĂłgico clĂnico e outros mĂ©todos de imagem. Em geral, Ă© realizada nos seguintes nervos: medianos nos tĂșneis carpais e antebraço; ulnares nos tĂșneis cubitais e proximal, fibulares comum na cabeça da fĂbula e proximal, tibiais na fossa poplĂtea e/ou tĂșnel tarsal; surais na perna e tornozelo; e radiais no sulco radial do braço (Groove).
Na hansenĂase observamos maior espessamento dos troncos neurais representado pelo aumento da CSA, alĂ©m de mais alteraçÔes morfolĂłgicas de ecogenicidade, padrĂŁo fascicular, perineuro e vascularização nos nervos perifĂ©ricos. Destacam-se os achados do nervo ulnar com espessamento mais severo acima do epicĂŽndilo medial, do nervo mediano proximal ao tĂșnel carpal, do nervo fibular comum na cabeça da fĂbula e do nervo tibial no malĂ©olo medial, pontos esses que devem estar na avaliação ultrassonogrĂĄfica de rotina (Figura 2).9,13
AlĂ©m dos parĂąmetros dos valores absolutos das medidas das CSA, outros autores,9,15 sugerem o Ăndice de assimetria [â CSA = (> CSA direito ou esquerdo) â (< CSA direito ou esquerdo)] na avaliação da neuropatia por hansenĂase, demonstrando que o Ăndice de assimetria entre os nervos perifĂ©ricos direito e esquerdo tem alta sensibilidade e especificidade na diferenciação entre nervos de indiviÌduos saudaÌveis e nervos de pacientes com hanseniÌase. Conclui-se que a assimetria do espessamento de nervos perifeÌricos eÌ uma caracteriÌstica dos pacientes com hanseniÌase, independentemente de sua classificaçaÌo em multibacilar ou paucibacilar.
O espessamento focal do nervo ulnar começa no sulco ulnar e atinge seu mĂĄximo quatro centĂmetros acima do epicĂŽndilo medial,15,21 e esse achado caracterĂstico pode ajudar principalmente no diagnĂłstico da hansenĂase neural primĂĄria ou pura (HNP), em que as lesĂ”es cutĂąneas estĂŁo ausentes, e tambĂ©m na diferenciação da hansenĂase de outras neuropatias nas quais pode ocorrer aumento difuso dos nervos.
A ausĂȘncia do espessamento neural ou outras alteraçÔes de nervos perifĂ©ricos nĂŁo exclui o diagnĂłstico de hansenĂase pois a lesĂŁo pode estar nos ramĂșsculos neurais e nĂŁo nos troncos nervosos. Por outro lado, a identificação do espessamento neural nĂŁo confirma o diagnĂłstico de hansenĂase, sendo necessĂĄrio uma ampla investigação dos aspectos clĂnicos, bacteriolĂłgicos e eletrofisiolĂłgicos da doença.
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