Ultrassonografia de nervos periféricos na hanseníase

por Glauber Voltan

Programa de Pós-Graduação,Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil.

A ultrassonografia (USG) pode ser utilizada como mĂ©todo de diagnĂłstico complementar da hansenĂ­ase atravĂ©s da identificação da neuropatia. A hansenĂ­ase Ă© a Ășnica condição na qual a avaliação da hipertrofia neural Ă© central para o diagnĂłstico,1 sendo proposto pela Organização Mundial da SaĂșde como um dos trĂȘs critĂ©rios para definição de caso da doença .2 O exame fĂ­sico neurolĂłgico simplificado, incluindo a palpação dos nervos perifĂ©ricos, auxilia no diagnĂłstico do espessamento neural e da neurite, no entanto Ă© subjetiva mesmo para profissionais bem treinados.3 A hansenĂ­ase Ă© uma doença neural podendo ter ou nĂŁo manifestaçÔes cutĂąneas.4–10 Por outro lado, casos de neuropatia perifĂ©rica acompanhados de espessamento neural, com ou sem manifestaçÔes cutĂąneas, devem levar o clĂ­nico a suspeitar do diagnĂłstico da hansenĂ­ase.11

USG de alta resolução.

A USG de alta resolução (HRUS) modos bidimensional e Doppler possibilitam avaliar toda extensão dos nervos periféricos superficiais e profundos; aferir e quantificar a årea seccional transversa (CSA) e o diùmetro do epineuro e perineuro em vårios segmentos neurais; caracterizar os padrÔes fasciculares e a ecogenicidade; identificar presença ou não de vascularização endoneural ou perineural.12

A USG de alta resolução (HRUS) nos modos bidimensional e Doppler possibilitam:

  • Avaliar toda extensĂŁo dos nervos perifĂ©ricos superficiais e profundos;

  • Aferir e quantificar a ĂĄrea seccional transversa (CSA) e o diĂąmetro do epineuro e perineuro em vĂĄrios segmentos neurais;

  • Caracterizar os padrĂ”es fasciculares e a ecogenicidade;

  • Identificar presença ou nĂŁo de vascularização endoneural ou perineural.12

HRUS Ă© capaz de identificar um maior nĂșmero de nervos alterados e uma maior extensão das alterações, mesmo nas ĂĄreas inacessĂ­veis Ă  palpação ou quando o exame clĂ­nico da palpação de nervos perifĂ©ricos deixa o examinador com dĂșvida se hĂĄ ou nĂŁo espessamentos. Sendo preciso e objetivo, pode auxiliar trazendo novos parĂąmetros para o diagnĂłstico da hansenĂ­ase e o reconhecimento precoce das neurites, especialmente nas fases de reação da doença.13–15 Comparando-se HRUS com estudo eletrofisiolĂłgico conclui-se que sĂŁo mĂ©todos complementares. E, HRUS tem melhor custo-benefĂ­cio se comparado a ressonĂąncia nuclear magnĂ©tica.17

Aspectos anatÎmicos dos nervos periféricos

Os nervos perifĂ©ricos sĂŁo constituĂ­dos por axĂŽnios mantidos juntos por um fino endoneuro (camada interna), agrupados em fascĂ­culos cobertos pelo perineuro e reunidos no nervo, que Ă© circundado pelo epineuro (camada externa) (figura 1). As imagens ecogrĂĄficas mostram os nervos como estruturas hipoecoicas com padrĂŁo fascicular fino. No eixo longitudinal aparece como estruturas tubulares hipoecoicas entremeadas por linhas hiperecoicas e revestida externamente por uma linha hiperecoica (padrĂŁo em cabo ou corda) (figura 1). No eixo transversal apresenta-se arredondado ou ovalado, com mĂșltiplas imagens hipoecoicas arredondadas (fascĂ­culos neurais) no interior, localizadas em um fundo hiperecoico (epineuro + perineuro), aparĂȘncia esta descrita como “favos de mel” ou fascicular conjuntivo (figura 1).18–20

Figura 1: Imagens dos nervos perifĂ©ricos de indivĂ­duos saudĂĄveis, padrĂŁo “honey-comb” ou favos de mel 1-A: nervo fibular comum direito, corte transversal na cabeça da fĂ­bula e proximal; 1-B: nervo ulnar direito, corte transversal no tĂșnel cubital e proximal; 1-C representação esquemĂĄtica do nervo perifĂ©rico normal; 1-D nervo ulnar esquerdo, corte longitudinal.

Aspectos morfolĂłgicos da neuropatia hansĂȘnica vistos pela USG de alta resolução

A USG dos nervos perifĂ©ricos deve verificar a CSA, analisar presença ou ausĂȘncia de Doppler e ser feita bilateralmente. Este mĂ©todo apresenta alta sensibilidade e acurĂĄcia para diagnosticar, localizar e avaliar o espessamento dos nervos perifĂ©ricos quando comparado com exame neurolĂłgico clĂ­nico e outros mĂ©todos de imagem. Em geral, Ă© realizada nos seguintes nervos: medianos nos tĂșneis carpais e antebraço; ulnares nos tĂșneis cubitais e proximal, fibulares comum na cabeça da fĂ­bula e proximal, tibiais na fossa poplĂ­tea e/ou tĂșnel tarsal; surais na perna e tornozelo; e radiais no sulco radial do braço (Groove).

Na hansenĂ­ase observamos maior espessamento dos troncos neurais representado pelo aumento da CSA, alĂ©m de mais alteraçÔes morfolĂłgicas de ecogenicidade, padrĂŁo fascicular, perineuro e vascularização nos nervos perifĂ©ricos. Destacam-se os achados do nervo ulnar com espessamento mais severo acima do epicĂŽndilo medial, do nervo mediano proximal ao tĂșnel carpal, do nervo fibular comum na cabeça da fĂ­bula e do nervo tibial no malĂ©olo medial, pontos esses que devem estar na avaliação ultrassonogrĂĄfica de rotina (Figura 2).9,13

AlĂ©m dos parĂąmetros dos valores absolutos das medidas das CSA, outros autores,9,15 sugerem o Ă­ndice de assimetria [∆ CSA = (> CSA direito ou esquerdo) – (< CSA direito ou esquerdo)] na avaliação da neuropatia por hansenĂ­ase, demonstrando que o Ă­ndice de assimetria entre os nervos perifĂ©ricos direito e esquerdo tem alta sensibilidade e especificidade na diferenciação entre nervos de indivíduos saudáveis e nervos de pacientes com hanseníase. Conclui-se que a assimetria do espessamento de nervos periféricos é uma característica dos pacientes com hanseníase, independentemente de sua classificação em multibacilar ou paucibacilar.

O espessamento focal do nervo ulnar começa no sulco ulnar e atinge seu måximo quatro centímetros acima do epicÎndilo medial,15,21 e esse achado característico pode ajudar principalmente no diagnóstico da hanseníase neural primåria ou pura (HNP), em que as lesÔes cutùneas estão ausentes, e também na diferenciação da hanseníase de outras neuropatias nas quais pode ocorrer aumento difuso dos nervos.

A ausĂȘncia do espessamento neural ou outras alteraçÔes de nervos perifĂ©ricos nĂŁo exclui o diagnĂłstico de hansenĂ­ase pois a lesĂŁo pode estar nos ramĂșsculos neurais e nĂŁo nos troncos nervosos. Por outro lado, a identificação do espessamento neural nĂŁo confirma o diagnĂłstico de hansenĂ­ase, sendo necessĂĄrio uma ampla investigação dos aspectos clĂ­nicos, bacteriolĂłgicos e eletrofisiolĂłgicos da doença.

Figura 2: Imagens ultrassonogrĂĄficas e esquemas representativos dos nervos perifĂ©ricos em pacientes diagnosticados com hansenĂ­ase 2-A Espessamento do epineuro visto pela HRUS: superior = nervo ulnar, corte transversal, tĂșnel cubital / inferior = nervo ulnar, corte transversal, pĂłs-tunel cubital; 2-B diversos nervos com alteração do padrĂŁo morfolĂłgico – perda do padrĂŁo fascicular; 2-C hipertrofia neural e perda do padrĂŁo fascicular dos nervos tibial e fibular comum no terço distal da coxa; 2-D sinal Doppler positivo, endoneural ou neurite do tĂ­bia no malĂ©olo medial esquerdo).
Figura 3: Imagens de ultrassom dos nervos perifĂ©ricos bilaterais nos principais pontos neurais do mesmo paciente com diagnĂłstico de hansenĂ­ase evidenciando espessamento e alteração morfolĂłgica correspondendo a neuropatia dos ulnares tipo hipertrĂłfica (CSA > normal), assimĂ©trica (∆CSA > normal) e focal (∆TPT > normal).

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