Um dia de dor

por Patrícia Soares.

Recursos Humanos e Ativista SocialMORHAN, UBM e Conselho Estadual de Saúde da Bahia
25/08/2021

Fevereiro de 2017, eu estava em um dia comum, sem nada de anormal, cuidando da minha casa, participando das minhas atividades diárias e ao anoitecer comecei a sentir algo estranho. Sentia que meu corpo estava quente, mas não como uma febre, era como se eu estivesse queimando mesmo. Resolvi tomar um banho frio para ver se me sentia melhor e ao tirar a minha roupa percebi que meu corpo estava coberto de manchas avermelhadas.

Apesar de já ter me sentido mal muitas vezes, dessa vez eu achei diferente, mas não fiquei muito preocupada porque, aparentemente, poderia ser simplesmente mais um quadro alérgico. Fui dormir um pouco mais cedo, mas o sono não chegava, suava, sentia frio, custei a dormir, mas, enfim, peguei no sono. Na manhã seguinte, quando acordei, nem tive tempo de entender o que aconteceu. Eu não conseguia me mover, tudo em mim era dor, mas eu precisava me levantar, eu precisava pedir ajuda.

Quando eu finalmente consegui me levantar, sentia tanta dor que fiquei um pouco tonta. Fui me arrastando até o banheiro e o que eu vi ao me olhar no espelho não era eu. O que se via eram bolhas arroxeadas e manchas avermelhadas por toda parte, nódulos dolorosos e uma mistura de dor com queimor que não sei como colocar em palavras, só posso dizer que foi assustador, não foi possível não entrar em pânico.

Eu já tinha passado por muitos quadros reacionais, mas nunca como esse. Consegui falar com minha médica, mas ela estava de férias e eu estava em pânico, não conseguia nem explicar com clareza o que aconteceu ao certo, mas por já me acompanhar por um longo período, de imediato me pediu pra ir buscar a medicação e ver se me internavam.

Me recusei a ser internada, porque já tive muitas experiências ruins em hospitais, mas também pelo fato de que as bolhas romperam, viraram feridas para o meu desespero e tinha medo de contrair alguma infecção hospitalar. Comecei a me cuidar em casa mesmo, trocava meus curativos, mantinha tudo muito limpo e higienizado. Muitos remédios caseiros, para amenizar a inflamação.

Porém, nada além de paciência e muita hidratação faziam muito efeito, agora era apenas ir me recuperando pouco a pouco. Um processo lento, que parecia que não ia ter sucesso, que foi muito mais de autoaceitação do que de qualquer outra coisa. O mais difícil é não ter o que fazer, não saber onde ir e que não há nada que faça você esquecer desses momentos ou relembrar sem se emocionar.

Da metade de fevereiro ao fim de março, só se via em mim feridas, mas não era apenas as feridas da pele, era também da alma. Aquela dor de desejar a morte quando a nossa autoestima é quebrada e possivelmente nunca será totalmente restaurada, quando não conseguimos nos reconhecer, aquela dor que só quem já passou por ela pode entender. Aquela dor dos olhares preconceituosos, das piadas de mau gosto, do afastamento das pessoas e da impotência diante da situação.

Foram dias difíceis, quase sem esperanças ou maiores expectativas, onde precisei me esforçar para não me desfazer, precisei acreditar no impossível, precisei me refazer. Eritema Necrotizante? Fenômeno de Lúcio? Talvez eu nunca saiba. Talvez eu nunca me esqueça desse momento, talvez eu nunca supere totalmente, mas se eu consegui chegar até aqui, não há razões pra desistir agora.

Compartilho um dos piores dias da minha experiência pessoal com reações, não para que sintam pena, mas para que aqueles que passaram ou passam pela mesma situação saibam que não estão sozinhos, que é possível sair dessa fase de dor e enxergar que somos e podemos ser muito mais do que um rótulo ou uma patologia. As cicatrizes fazem parte da nossa história, mas não definem quem somos e hoje eu posso dizer que o pior já passou, que vai ficar apenas como uma lembrança no passado. Hoje posso dormir tranquila, sem medo do que me aguarda ao amanhecer.

Revisores do Corpo Editorial iH

Álvaro Nunes Laranjeira e Patrícia D. Deps.