Satisfação com a troca do nome de lepra para hanseníase no Brasil.

por Lucas Delboni,

Curso de Medicina, Universidade Federal do Espírito Santo

e Patrícia Duarte Deps.

Professora TitularDepartamento de Medicina SocialPrograma de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, UFES. Brasil.
ORCID
25/08/2021

A hanseníase é reconhecida como uma das vinte doenças tropicais negligenciadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), conferindo ao estigma um dos obstáculos para eliminá-la (1). Na maioria dos países em que é endêmica, a hanseníase é conhecida como “lepra” (ou outro termo estigmatizante) e o estigma de ser afetado pela hanseníase é, por vezes, pior do que a doença de fato.

A mudança do nome de lepra para hanseníase foi considerada a medida mais eficiente para o combate ao estigma da hanseníase no Brasil e, provavelmente, no mundo. Essa discussão é mais antiga do que gostaríamos, mas, felizmente, tem ganhado força nos últimos anos por meio de debates e publicações recentes. Deps & Cruz listaram uma série de fatos, eventos e razões que reiteram que a substituição do termo lepra deve ocorrer, principalmente nos países em que a doença é endêmica (2).

O Brasil é um dos países em que a hanseníase é endêmica, mas se destaca por ser pioneiro na mudança da terminologia. Embora a satisfação das pessoas afetadas pela hanseníase em relação à mudança de nome parecia ser favorável e unânime, nunca havia sido quantificada. Recentemente, como parte de uma pesquisa epidemiológica, essa quantificação foi realizada, objetivando, principalmente, identificar o grau de satisfação das pessoas afetadas pela hanseníase com a mudança terminológica. O estudo foi conduzido de setembro de 2020 à abril de 2021, por meio de um questionário preparado no Google Forms, contendo 23 questões relacionadas ao estigma e à terminologia utilizada para definir a doença no Brasil - hanseníase. Em relação à terminologia, a pergunta era: “você concorda com a mudança do nome de lepra para hanseníase?”, sendo solicitado que o entrevistado escolhesse entre duas opções: (a) sim, prefiro hanseníase; ou (b) não, prefiro lepra. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, sob CAAE número 32776920.6.0000.5060.

Os pacientes, de ambos os sexos e acima de 18 anos, foram recrutados em diversos serviços para tratamento da hanseníase no Brasil, e, após a permissão dos pacientes, o formulário e o termo de consentimento para a pesquisa era enviado para o celular de cada um. Foram contatados 525 pacientes e, destes, foram obtidas 112 respostas ao formulário. Das 112 pessoas afetadas pela hanseníase que responderam ao questionário, 111 (99,11%) preferiram o termo “hanseníase” à “lepra” (3).

O resultado deste estudo aponta claramente uma preferência das pessoas afetadas em terem sido diagnosticadas com hanseníase e não lepra. São muitos os motivos que justificam esta preferência, mas destaca-se: (a) a persistente associação de lepra com imagens de um corpo humano desfigurado - que não era incomum antes da OMS difundir a poliquimioterapia; e (b) o uso discriminatório e pejorativo do termo leproso como uma pessoa pecadora, criminosa, cruel, sendo utilizado, inclusive, em referência aos imigrantes no continente europeu (4).

No Brasil, embora a segregação compulsória tenha sido abolida em 1962 como política de saúde pública, existem muitos relatos de que esta forma de combater a doença tenha sido utilizada na década de 80 em alguns estados do Brasil. De qualquer forma, ser diagnosticado com uma doença que, aproximadamente 50 anos atrás, para o “bem dos seus familiares e amigos”, o doente precisava ser isolado de tudo e de todos, piora uma condição de sofrimento já estabelecida pela própria doença em si.

A mudança do nome de lepra para hanseníase no Brasil, além de seus derivativos (como leproso, leprosário e lepromatoso), tem apagado, mesmo que lentamente, mas de forma definitiva, a ludibriosa e maléfica memória do consciente e do inconsciente da população brasileira. No entanto, não podemos nos satisfazer com mudanças pontuais e locais. A mudança coletiva precisa ser incentivada aos demais países, sendo imperativo incluir como pauta pública a renomeação da hanseníase como medida ao combate ao estigma no mundo (5).

Revisor do Corpo Editorial do iH

Álvaro Nunes Larangeira

Referências

  1. Asia RO for S-E, Organization WH. Global Leprosy Strategy 2016–2020. Accelerating towards a leprosy-free world. Monitoring and Evaluation Guide [Internet]. World Health Organization. Regional Office for South-East Asia; 2017 [citado 28 de maio de 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/254907

  2. Deps P, Cruz A. Why we should stop using the word leprosy. Lancet Infect Dis. abril de 2020;20(4):e75–8.

  3. Delboni L, Deps P. Consensus in Brazil on the renaming of leprosy to Hansen’s disease. Transactions of The Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene [Internet]. 24 de julho de 2021 [citado 20 de agosto de 2021];(trab115). Disponível em: https://doi.org/10.1093/trstmh/trab115

  4. OHCHR | France’s Macron and Italy’s deputy PM urged to stop misuse of “leprosy” in political exchanges [Internet]. [citado 7 de junho de 2021]. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=23317&LangID=E

  5. Deps P, Delboni, L, Oliveira TIA. 'Lepra' versus hanseníase versus nova terminologia. Em: Sousa ACM de, Brandão PS, Duarte NIG. Hanseníase: Direitos Humanos, Saúde e Cidadania [Internet]. Rede Unida; 2021. P. 38-50. [citado 20 de agosto de 2021]. Disponível em: https://editora.redeunida.org.br/project/hanseniase-direitos-humanos-saude-e-cidadania/