Reações Hansênicas

Resumo do iH Ensina

por Claudio Sampieri Tonello.

DermatologistaChefe do serviço de residência médica em dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima – Bauru SP
19/08/2021

A hanseníase é uma doença infecto contagiosa crônica, cujas manifestações clínicas aparecem lentamente durante sua evolução natural. Denominam-se reações os fenômenos agudos que ocorrem durante a sua evolução, podendo ocorrer em todas as formas clínicas com exceção da forma indeterminada. [1]

As reações podem ser mediadas por células nas formas tuberculoide e dimorfas (reação tipo 1) ou por anticorpos na forma virchowiana (reação tipo 2 - também chamada de eritema nodoso hânsenico). [1]

Podem surgir antes do diagnóstico da doença, durante o tratamento e inclusive após a alta medicamentosa. [3]

Cerca de 30 a 50% das pessoas afetadas pela hanseníase apresentam algum tipo de reação durante a evolução da doença. Existe ainda um terceiro tipo de reação, raro, chamado fenômeno de Lucio que acomete pacientes afetados pela forma virchowiana difusa não pápulo nodular. [2]

Reações tipo 1

A característica principal é a exacerbação das lesões cutâneas pré-existentes e aparecimento de novas lesões, de forma relativamente aguda. São placas eritemato-edematosas bem delimitadas em geral, que podem ulcerar (tuberculoides). Os nervos periféricos podem participar do quadro causando neurite, com aumento do volume e dor. [1,3]

Pode ocorrer queda do estado geral, edema de extremidades e comprometimento de mais de um nervo periférico, especialmente nas formas dimorfas reacionais.

As reações do tipo 1 são reações de hipersensibilidade celular tardia, resultado de um aumento da resposta celular contra o M. leprae, [2] entretanto os riscos de dano neural e incapacidades nos alertam para iniciarmos o tratamento da reação tipo 1 o quanto antes.

Um surto reacional do tipo 1 tem duração de 4 a 6 meses independente do seu tratamento. [1]

Histologicamente há reação inflamatória granulomatosa com padrão tuberculoide ou dimorfo, mas associado a fenômenos exsudativos com edema, deposição de fibrina, necrose tecidual. [3]

Sobre o tratamento da reação tipo 1, caso não haja manifestações neurológicas, pode ser tratada sintomaticamente. Caso esteja presente a neurite ou um quadro dermatológico mais exuberante deve-se prescrever o uso de corticoide, em geral, a prednisona oral 1mg/kg/dia. O uso do corticoide na reação tipo 1 sempre deve ser planejado, e programado uma redução lenta da medicação. Devido a evolução natural da reação tipo 1 de 4 a 6 meses, o tempo de uso da prednisona, em geral, não é inferior a 4 meses. [3] Normalmente, a retirada da prednisona é feita de forma gradual a cada 2 a 4 semanas de acordo com o acompanhamento clínico e do teste sensitivo-motor. [4] Outras drogas imunossupressoras (metotrexate, ciclosporina) podem eventualmente ser usados. [3,5] Alguns pacientes desenvolvem vários surtos de reação tipo 1 durante o curso da doença, sendo necessário repetir o tratamento. Infelizmente, não se conhece, até o momento, um tratamento eficiente que seja capaz de interromper um surto reacional depois de sua instalação. [1]

Reações tipo 2

Das reações tipo 2, a mais conhecida é o eritema nodoso hansênico (ENH). Este se caracteriza, na pele, pelo aparecimento súbito de nódulos, pápulas e placas eritematosas, dolorosas, em todo o tegumento [1], após a regressão podem aparecer fibrose, cicatriz e hiperpigmentação pós-inflamatória. É um fenômeno sistêmico, não se restringindo somente ao tecido cutâneo.

Alguns dos fatores desencadeantes são reconhecidos, como: gravidez, vacinação, estresse, outras infecções bacterianas ou virais agudas.

Em geral, ocorre após o início da poliquimioterapia (PQT) para hanseníase, entretanto, muitos pacientes a desenvolvem antes do tratamento, e neste caso, o diagnóstico da doença se faz durante este fenômeno reacional, mas pode ocorrer também após a suspensão da PQT e da cura por alta. Pacientes com carga bacilar alta podem presentar surtos reacionais por mais tempo, durante anos, provavelmente, devido a presença de antígenos nos tecidos. O ENH, tem menor duração e maior número de ocorrência se comparada com a reação tipo 1.[3]

O surto típico de reação tipo 2 é constituído de febre, mal estar, inapetência, artralgia e aumento dos linfonodos, seguido então pelas manifestações cutâneas com nódulos eritematosos, por vezes dolorosos. Os troncos nervosos, os olhos, as articulações, o fígado, os testículos e o baço, podem ser comprometidos durante a reação tipo 2. [1]

As reações tipo 2 surgem pela formação e depósito de imunocomplexos que ocorrem pela grande quantidade de anticorpos presentes nos pacientes virchowianos.

A alteração histológica consiste numa reação inflamatória aguda ou sub aguda, portanto, não granulomatosa, em focos de granulomas virchowianos regressivos, dilatação vascular, tumefação endotelial, exsudação serofibrinosa e neutrofílica desorganizando os granulomas pré-existentes. [1]

O medicamento de escolha para o tratamento da reação tipo 2 é a talidomida. É necessário, entretanto, observar as ressalvas de seu uso em mulheres em idade fértil devido ao seu efeito teratogênico. A dose utilizada varia de 100 a 400 mg ao dia dependendo da gravidade da reação tipo 2. Em geral a resposta à talidomida é rápida, o que nos permite diminuir a dose após melhora dos sinais e sintomas, que geralmente ocorre em alguns dias ou nas primeiras semanas. Sempre que houver sintomas gerais importantes, reações mais graves ou outros órgãos acometidos está indicado o uso do corticoide sistêmico, como por exemplo, a prednisona oral na dose de 1mg/kg/dia. São indicações formais ao uso do corticoide na reação tipo 2: neurite, irite ou iridociclite, mão reacional, reações graves de ENH.

Considerações finais

  1. O tratamento das reações hansênicas não interfere no esquema da PQT.

  2. Muitos pacientes continuam a ter surtos reacionais após a alta por cura, ou suspensão da PQT.

  3. Pacientes com reações hansênicas após a alta por cura podem ser confundidos com quadros de resistência medicamentosa e ou recidiva da hanseníase.

  4. Reações após alta por cura são interpretados como doença imunológica e inflamatória, não mais doença infecciosa, e que pode persistir por meses a anos.

  5. Em pacientes com quadros de reações hansênicas persistentes e/ou tardias (após a alta por cura), deve-se proceder a pesquisa de bacilos persistentes nestes pacientes. Ainda, com o objetivo de avaliar a possibilidade de reinfecção, é importante realizar exame dos contatos intradomiciliares, e pesquisa de contatos doentes não diagnosticados e não tratados funcionarem como fonte de bacilos para o paciente em questão.

  6. Pacientes com reações hansênicas necessitam de manejo e acompanhamento por equipe multiprofissional.

Revisores do Corpo Editorial do iH

Patrícia D. Deps e José Antônio Garbino.

Referências

  1. Opromolla DVA. Manifestações clínicas e reações. In: Noções de Hansenologia. 2ª. Ed. Bauru: Centro de Estudos “Dr. Reinaldo Quagliatto”. Instituto Lauro de Souza Cima; 2000.

  2. Kamath S, Vaccaro SA, Rea TH, Ochoa MT. Recognizing and managing the immunologic reactions in leprosy. J Am Acad Dermatol. 2014 Oct;71(4):795-803. doi: 10.1016/j.jaad.2014.03.034.

  3. Ura S. Tratamento e controle das reações hansênicas. Hansen Int. 2007; 32(1):67-7.

  4. Ministério da Saúde do Brasil. Guia Prático Sobre a Hanseníase. 2017. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/novembro/22/Guia-Pratico-de-Hanseniase-WEB.pdf Acessado em 19 de agosto de 2021.

  5. Perez-Molina JA, Arce-Garcia O, Chamorro-Tojeiro S, Norman F, Monge-Maillo B, Comeche B, Lopez-Velez R. Use of methotrexate for leprosy reactions. Experience of a referral center and systematic review of the literature. Travel Med Infect Dis. 2020 Sep-Oct;37:101670. doi:10.1016/j.tmaid.2020.101670.