O papel da quimioprofilaxia na diminuição da transmissão da hanseníase.

por Taís Loureiro Zambon,

Curso de Medicina. Universidade Federal do Espírito Santo

e Marcos Cesar Florian.

Serviço de Dermatologia, Universidade Federal de São Paulo.

/11/2020

A ocorrência de hanseníase diminuiu de forma geral ao longo das décadas, todavia, ainda existem milhares de casos não diagnosticados em países e regiões endêmicas do mundo, subestimando-se a ocorrência da doença (1). Além disso, por se tratar de uma doença crônica, há a possibilidade de muitos diagnósticos tardios, contribuindo para a ocorrência de incapacidades físicas e para a manutenção de sua transmissão (2).

Alguns estudos epidemiológicos (3) demonstraram que a chance de encontrar pessoas com hanseníase não diagnosticada é cerca de dez vezes maior nos contatos que vivem na mesma casa de pessoas já diagnosticadas do que na população geral. Sendo assim, os contatos deveriam ser um dos principais focos de aplicação de planos para o controle da doença.

Nesse contexto, a quimioprofilaxia (prevenção usando medicamentos) surge como uma estratégia para conter a transmissão da hanseníase. A intervenção básica que se discute atualmente como quimioprofilaxia é a “profilaxia pós exposição” (PEP), realizada normalmente entre contatos de pessoas afligidas pela hanseníase, como familiares e vizinhos, sendo o principal objetivo reduzir a proliferação do bacilo (Mycobaterium leprae) entre esses (4).

Um dos principais fármacos utilizados nessa metodologia, principalmente em ensaios clínicos nos países endêmicos, é a rifampicina em dose única (SDR – single-dose of rifampicin), a qual tem um efeito benéfico na redução do contágio nos primeiros dois anos após administração (5).

Os pontos favoráveis que levam a SDR a ser eleita nos estudos e intervenções como droga de escolha para a quimioprofilaxia são seu baixo custo e menor risco de efeitos adversos e de resistência.

No Brasil, foi proposto que a PEP poderia ser implementada em Programas da Saúde da Família (PSF) permitindo fácil acesso à pessoa com hanseníase, facilitando a atuação dos profissionais da saúde no tratamento e no controle epidemiológico da doença (5) o que leva a uma maior adesão ao tratamento da PEP, uma vez que em grande parte das vezes os doentes moram longe dos locais onde é distribuída a medicação e o tratamento é realizado.

Contudo, ainda há ressalvas a serem consideradas. Há resultados variados de estudos dependendo do tipo do estudo e do tempo de observação. Além disso, nota-se uma menor efetividade da quimioprofilaxia em pessoas com maior risco de adoecimento: contatos de pessoas com hanseníase multibacilar, intradomiciliares e geneticamente relacionados ao caso-índice (5). Por fim, a PEP não altera os determinantes sociais da hanseníase.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda promover intervenções para a prevenção da infecção e da doença, porém não há uma especificação atual em relação à inclusão da quimioprofilaxia como intervenção, uma vez que até o momento a disponibilidade de publicações com evidências sobre a viabilidade do seu uso ainda é limitada (6).

O programa PEP++ financiado pela Netherlands Hanseniasis Relief (NHR) - Brasil é um estudo multicêntrico e no Brasil está planejado para ocorrer nos municípios de Fortaleza e Sobral. O objetivo deste programa é interromper a transmissão da hanseníase. Associado ao programa de quimioprofilaxia, os idealizadores pretendem fortalecer o sistema público de saúde e trazer um olhar atento às comunidades endêmicas, melhorando habilidades para o controle da doença e promovendo ações de educação em saúde que possibilitem disseminar conhecimentos e reduzir o estigma.

O PEP++ se baseia em um esquema reforçado de prevenção. Os contatos de pessoas com hanseníase receberão três doses da combinação de rifampicina e claritromicina. Espera-se com essa dose uma efetividade de 80-90% (esquema de prevenção atual - SDR - só chegava a 60%). As abordagens inovadoras fundamentam-se em: i) Estratégias para detecção precoce de casos, incluindo a elaboração de materiais educativos para melhorar a percepção e conhecimento sobre a doença e reduzir o estigma; ii) Capacitação de profissionais de saúde para melhorar conhecimento técnico para o diagnóstico; iii) Identificação de aglomerados endêmicos de hanseníase através mapeamento baseado em sistema de informação geográfica de casos atuais e casos recentes; iv) Cobertura de quimioprofilaxia preventiva em todas as áreas de alta endemicidade para hanseníase (7).

Referências bibliográficas

  1. Burki TK. Leprosy and the rhetoric of elimination. BMJ [Internet]. 18 de outubro de 2013 [citado 22 de abril de 2020];347. Disponível em: https://www.bmj.com/content/347/bmj.f6142

  2. Barth-Jaeggi T, Steinmann P, Mieras L, van Brakel W, Richardus JH, Tiwari A, et al. Leprosy Post-Exposure Prophylaxis (LPEP) programme: study protocol for evaluating the feasibility and impact on case detection rates of contact tracing and single dose rifampicin. BMJ Open. 17 de 2016;6(11):e013633.

  3. Richardus RA, Alam K, Pahan D, Feenstra SG, Geluk A, Richardus JH. The combined effect of chemoprophylaxis with single dose rifampicin and immunoprophylaxis with BCG to prevent leprosy in contacts of newly diagnosed leprosy cases: a cluster randomized controlled trial (MALTALEP study). BMC Infect Dis. 3 de outubro de 2013;13(1):456.

  4. Richardus JH, Oskam L. Protecting people against leprosy: Chemoprophylaxis and immunoprophylaxis. Clin Dermatol. 1o de janeiro de 2015;33(1):19–25.

  5. Cunha SS da, Bierrenbach AL, Barreto VHL, Cunha SS da, Bierrenbach AL, Barreto VHL. Chemoprophylaxis to control leprosy and the perspective of its implementation in Brazil: a primer for non-epidemiologists. Rev Inst Med Trop São Paulo. dezembro de 2015;57(6):481–7.

  6. Organization WH. Global Leprosy Strategy 2016-2020: accelerating towards a leprosy-free world - Operational manual. 2019 [citado 30 de maio de 2020]; Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/250119

  7. Brasil NHR. Programa PEP++ [Internet]. NHR Brasil. [citado 5 de outubro de 2020]. Disponível em: https://www.nhrbrasil.org.br/publicacoes.html