Neurólise na Hanseníase

por Luis Guilherme Rosifini Alves Rezende,

Cirurgião da Mão Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.

Milton Cury Filho,

Cirurgia da Mão e do Membro Superior em Hanseníase do Instituto Lauro de Souza-Lima, Bauru, SP.

e Nilton Mazzer.

Professor Titular e Chefe da Divisão de Cirurgia da Mão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
17/01/2022

A Hanseníase, ou doença de Hansen, é marcada pelo acometimento dos nervos periféricos, sendo mais comum nos membros superiores o acometimento do Nervo Ulnar. Tipicamente, a lesão neurológica é resultante da neuropatia infecciosa, causada pela infecção direta do nervo pelo M. leprae, sobreposta à resposta imunológica do hospedeiro; esta desencadeia um processo inflamatório local na tentativa de conter a bactéria, o que também está associado à uma compressão local do nervo. Esta compressão é interna, dentro do nervo, podendo haver a presença de abscessos (Figura 1), ou externa, do nervo.

Figura 1. Cotovelo direito de uma criança de 11 anos com abscesso no nervo ulnar por hanseníase (setas brancas).

Dessa forma, o paciente evolui com sintomas compressivos do Nervo Ulnar, com perda da sensibilidade do quinto e da metade Ulnar (“lateral ou externa”) do quarto dedo, com perda da destreza na mão e a presença de uma “garra” de gravidade variável destes dedos. É comum que os pacientes apresentem queixas de movimentos, como o de cruzar os dedos. Dor no local da compressão também é comum.

O tratamento cirúrgico é realizado através da liberação e neurólise do nervo acometido. No caso do Nervo Ulnar, é realizada uma liberação neural ao nível do cotovelo (no túnel cubital) e do punho (canal de Guyon), locais por onde o nervo passa até chegar na região de inervação da sensibilidade na ponta dos dedos, e região da inervação motora na mão. Desse modo, o nervo é liberado de tais túneis, e realiza-se uma neurólise externa, que é a retirada de porções cicatriciais (fibróticas) que recobrem o nervo, como consequência do processo inflamatório seguido de fibrose descrito na história natural da doença, conforme Figura 2. Essas cicatrizes ou fibroses perineurais são rígidas e comprimem o nervo. Também é realizada uma microneurólise interna, que é a abertura da membrana do nervo, para descompressão de seus fascículos (componentes individuais dos nervos), que podem estar comprimidos pelo epineuro fibrótico. Assim, com este procedimento, é possível que as porções íntegras do nervo possam regenerar e recuperar algum grau de função, além do paciente se beneficiar de melhora da dor. Os danos neurais, aparentemente irreversíveis, podem ser tratados com procedimentos cirúrgicos individualizados, sendo o sucesso da cirurgia dependente do tempo de evolução da lesão e da existência de estruturas neurais viáveis. Este procedimentos cirúrgicos são realizados por especialistas, em nível terciário e ambiente cirúrgico, como neurotizações, transferências tendíneas, procedimentos de partes moles e ósseos. Sem este tipo de tratamento cirúrgico alguns pacientes perdem a função neural de forma irreversível causando sério prejuízo na qualidade de vida.

Figura 2. Aspecto intraoperatório da liberação do nervo ulnar, contendo abscesso (setas). FOTO COM CONTEÚDO SENSÍVEL

Referências

  1. Antia NH, Shetty VP: The peripheral nerve in leprosy and other neuropathies, New Delhi, 1997, Oxford University Press

  2. Brand PW, Fritschi E: Rehabilitation in leprosy. In Hastings R, editor: Leprosy, New York, 1985, Churchill Livingstone

  3. Bryceson A, Pfaltzgraff RE: Leprosy, New York, 1990, Churchill Livingstone.

  4. Chang KV, Wu WT, Han DS, Özçakar L. Ulnar Nerve Cross-Sectional Area for the Diagnosis of Cubital Tunnel Syndrome: A Meta-Analysis of Ultrasonographic Measurements. Arch Phys Med Rehabil. 2018 Apr;99(4):743-757.

  5. Lugão HB, Frade MA, Mazzer N, Foss NT, Nogueira-Barbosa MH. Leprosy with ulnar nerve abscess: ultrasound findings in a child. Skeletal Radiol. 2017 Jan;46(1):137-140.

  6. Malaviya GN, Mishra B, Girdhar BK, et al: Calcification of nerves in leprosy—report of three cases. Indian J Lepr 57:651, 1985.

  7. Said J, Van Nest D, Foltz C, Ilyas AM. Ulnar Nerve In Situ Decompression versus Transposition for Idiopathic Cubital Tunnel Syndrome: An Updated Meta-Analysis. J Hand Microsurg. 2019 Apr;11(1):18-27.

  8. Srinivasan H, Palande DD: Essential surgery in leprosy. Techniques for district hospitals, Geneva, 1997, World Health Organization.