É possível interromper a Transmissão da Hanseníase no Brasil?

Perspectivas e Desafios

por Carmelita Ribeiro Filha Coriolano

Coordenadora Geral de Doenças em Eliminação,do Departamento de Vigilância das Doenças de Condições Crônicas e Infeccções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em SaúdeMinistério da Saúde/CGDE/DCCI/SVS/MS.

e Ciro Martins Gomes

Professor Adjunto de Dermatologiada Universidade de Brasília - UnB.
/11/2020

A hanseníase é uma doença causada por um microorganismo de crescimento lento, ainda não cultivável em meios artificiais, o Mycobacterium leprae. Apesar de seu desenvolvimento lento e da necessidade de um contato prolongado para a transmissão, a doença permanece endêmica no Brasil.[1] Dessa forma, interromper a transmissão é um desafio que deve ser vencido para o controle adequado da doença e para a redução das incapacidades e do sofrimento que os pacientes acometidos enfrentam. O sucesso dessa interrupção não depende só de investimentos em novos métodos diagnósticos e em tratamentos mais efetivos, mas também depende da melhora completa das condições de vida e saúde de toda a população brasileira. Neste artigo, abordaremos os recentes avanços e as necessidades referentes aos exames diagnósticos, ao tratamento da doença, a educação em saúde e ao desenvolvimento social da população.

Recentemente, vários avanços têm sido observados no diagnóstico precoce da hanseníase - que é um dos principais pilares no enfrentamento à doença. O diagnóstico precoce permite também a instituição do tratamento precoce e evita, assim, a propagação da cadeia de transmissão e o desenvolvimento de incapacidades no paciente acometido.[2] Não há dúvida de que o desenvolvimento de exames modernos é importante para um país de proporções continentais como o Brasil. Exames que visam detectar quantidades mínimas de material genético (DNA ou RNA) do Mycobacterium leprae são promissores. No entanto, sua aplicabilidade está limitada à necessidade de estruturas complexas, bem como na formação de mão de obra habilitada. Cabe ainda citar que muitos casos de hanseníase apresentam apenas manifestações clínicas da doença e que, nesses casos, nenhum exame é capaz de detectar o agente infeccioso. Estes são importantes desafios a serem vencidos, principalmente em áreas mais remotas.

O tratamento precoce, que depende também do diagnóstico precoce, consiste na poliquimioterapia. A poliquimioterapia é um conjunto de medicações que são administradas simultaneamente para garantir a cura rápida da doença, bem como a quebra da cadeia de transmissão.[3] O Ministério da Saúde do Brasil e a Organização Mundial de Saúde preconizam um conjunto efetivo de medicações gratuitas aos pacientes diagnosticados. Para tanto, o paciente deve comparecer ao centro de saúde a cada 28 dias por 6 ou 12 meses, a depender da forma de hanseníase.[4] Neste momento, faz-se a dose supervisionada quando o paciente ingere medicações sob supervisão. O paciente deverá também ingerir medicações diárias, objetivando a cura completa da doença e visando também minimizar as sequelas que a doença pode trazer. Todas essas medidas, em conjunto, garantem que a doença não será transmitida para as pessoas que residem no mesmo domicílio.

A educação em saúde também é peça fundamental no combate à hanseníase. Essa educação abrange tanto a formação de profissionais capacitados em todos os níveis de atenção, como também a informação da população que saberá reconhecer os sinais precoces da doença. Todos os profissionais de saúde devem conhecer os sinais e sintomas da hanseníase, sendo o foco atual a formação dos profissionais da atenção primária. Em um modelo de saúde que garante atendimento universal e equidade, as unidades básicas de saúde são a porta de entrada para o atendimento precoce. A atenção primária é, ainda, responsável pela maior parte das ações de prevenção e de busca ativa de novos pacientes com hanseníase.[5] Logo, é possível concluir que o estímulo à formação acadêmica direcionada nas diversas áreas da saúde é fundamental para a redução da carga da doença no Brasil. Paralelamente à educação dos profissionais de saúde, é importante investir na educação da população geral. Informações sobre o caráter curativo do tratamento auxiliam na redução do estigma e da discriminação, além de ajudar na adesão correta às medicações prescritas. A educação em saúde também acelera diretamente o diagnóstico da hanseníase. Ora, a população, ao conhecer os sintomas da doença, procurará de forma mais rápida a unidade básica de saúde caso tenha suspeita de hanseníase, reduzindo a chance de transmissão.

Por último, mas não menos importante, o sucesso na eliminação da hanseníase no Brasil depende de uma melhora de todos os indicadores de desenvolvimento e sociais. É importante lembrar que países anteriormente endêmicos situados na Ásia e na Europa, eliminaram a hanseníase como problema de saúde pública mesmo sem os avanços de exames complementares que possuímos hoje.[6] Condições sociais desfavoráveis estimulam diversas situações que podem facilitar a transmissão da hanseníase, como moradias de aglomerações inadequadas, ausência de saneamento básico, desnutrição e não cobertura pelo sistema de saúde.

Pelo exposto acima, é possível concluir que o combate à transmissão da hanseníase passa sim pelo desenvolvimento de novas técnicas diagnósticas e de novos tratamentos, mas a eliminação da doença como problema de saúde pública depende de um complexo conjunto de ações. Tais ações não se restringem à parte de assistência em saúde, mas devem abranger toda a sociedade. As evoluções sociais e econômicas já alcançadas e os novos desafios presentes em nossa sociedade devem ser considerados para o combate a todas as doenças negligenciadas, incluindo a hanseníase. Finalmente, compreende-se que sim, é possível interromper a transmissão da hanseníase no Brasil, mas esse objetivo só pode ser alcançado com a mobilização de todos os setores da sociedade.

Referências bibliográficas

  1. Ministério da Saúde do Brasil M. Boletim Epidemiológico Hanseníase 2020. Bol Epidemiológico Hansen 2020;Jan:52.

  2. Gurung P, Gomes CM, Vernal S, Leeflang MMG. Diagnostic accuracy of tests for leprosy: a systematic review and meta-analysis. Clin Microbiol Infect 2019;25:1315–27. https://doi.org/10.1016/j.cmi.2019.05.020.

  3. WHO. Global Leprosy Strategy 2016-2020. 2016. https://doi.org/978-92-9022-509-6.

  4. Ministério da Saúde. Diretrizes para a vigilância, atenção e eliminação da Hanseníase como problema de saúde pública: manual técnico-operacional. 2016. https://doi.org/978-85-334-2348-0.

  5. Frade MAC, de Paula NA, Gomes CM, Vernal S, Bernardes Filho F, Lugão HB, et al. Unexpectedly high leprosy seroprevalence detected using a random surveillance strategy in midwestern Brazil: A comparison of ELISA and a rapid diagnostic test. PLoS Negl Trop Dis 2017;11:e0005375. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005375.

  6. [6] Koba A, Ishii N, Mori S, Fine PEM. The decline of leprosy in Japan: Patterns and trends 1964-2008. Lepr Rev 2009;80:432–40.