Série de publicações sobre “Hanseníase e saúde bucal”

Persistência do Mycobacterium leprae na mucosa oral e a sua importância na transmissão aos profissionais de saúde.

por Pamela Barbosa,

Curso de Odontologia, Universidade Federal do Espírito Santo

Mariana Macabú,

Curso de Medicina, Universidade Federal do Espírito Santo

Fernanda Sales,

Curso de Medicina, Universidade Federal do Espírito Santo

Patrícia Deps,

Departamento de Medicina Social, Universidade Federal do Espírito Santo

e Raquel B. Carvalho.

Departamento de Medicina Social, Universidade Federal do Espírito Santo
/11/2020

A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, curável, de notificação compulsória, causada principalmente pelo Mycobacterium leprae que afeta, especialmente, pele, nervos periféricos e mucosa (1).

Apesar de haver questionamentos, estudos apontam que o M. leprae infecta o organismo através da cavidade nasal, sendo este o sítio primário de infecção (2). Entretanto, para outros especialistas, a mucosa oral é a rota de entrada e saída do bacilo no humano (3,4), ressaltando o importante papel desse tecido na transmissão do microrganismo. Desse modo, tem-se um segundo sítio principal de interesse na transmissão e infecção da hanseníase (5).

Esse mecanismo de contaminação da mucosa oral ocorre devido à presença dos bacilos álcool-ácidos resistentes na secreção que percorre nasofaringe, orofaringe e atinge a mucosa oral. O M. leprae pode estar presente na mucosa oral sem que haja qualquer alteração morfológica ou manifestações clínicas e, devido à resistência desse tecido ao desenvolvimento das lesões, somente testes laboratoriais mais sensíveis podem detectar a presença do bacilo (3).

Paradoxalmente, alguns autores não consideram que a cavidade bucal seja local relevante para a transmissão do M. leprae (6). Todavia, uma pessoa afetada pela hanseníase da forma multibacilar não tratada pode eliminar no ambiente uma grande quantidade de bacilos ao falar, tossir, espirrar ou cuspir (2). Esses microrganismos quando eliminados do corpo humano podem sobreviver por vários dias em condições especiais no ambiente, e consequentemente, infectar novos indivíduos ou animais (7,8).

Por outro lado, estudos apontam que em indivíduos infectados, além de apresentarem as formas paucibacilares, existem aqueles que não desenvolveram a hanseníase e configuram uma fase conhecida como estágio subclínico. Estes indivíduos seriam fontes de disseminação bacilífera, pois apresentam um período transitório de excreção dos bacilos (2). Contudo, pessoas que apresentam esse modo de infecção oferecem um risco menor quando comparadas aos bacilíferos multibacilares. Outro fator importante para que ocorra a manifestação da doença é a susceptibilidade imunológica do indivíduo, visto que o M. leprae apresenta alta infectividade e baixa patogenicidade (9), ou seja, tem capacidade de infectar uma grande quantidade de pessoas, mas poucos adoecem.

O desconhecimento acerca dos aspectos definitivos da transmissão do M. leprae promove receio entre alguns profissionais da saúde quanto à contaminação por contato direto com as lesões (10). Em função dessa desinformação, muitos desses profissionais priorizam o distanciamento físico (11), em relação ao paciente, em detrimento do uso de proteção individual, posicionamento que se opõe à luta pelo fim do estigma relativo à doença. Apesar disso, tanto a Organização Mundial da Saúde (12), quanto as regulamentações nacionais de biossegurança determinam que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) é imprescindível, independentemente da doença em questão (13). A proteção conferida por esses aparatos minimiza os riscos de infecção cruzada entre os profissionais de saúde (9), especialmente no momento da realização de procedimentos invasivos e com produção de aerossóis em indivíduos não tratados e afetados pela hanseníase multibacilar. É importante lembrar que dentistas, médicos e enfermeiros, principalmente aqueles que atuam em regiões endêmicas de hanseníase, frequentemente entram em contato com pessoas diagnosticas ainda sem tratamento específico com a poliquimioterapia (14).

A presença de ocorrências inespecíficas, como a doença periodontal e a perda dentária, e específicas, como pápulas, placas e ulcerações na cavidade oral, constituem eventos clínicos frequentes no curso da hanseníase. A contribuição do cirurgião-dentista na equipe do programa de controle da hanseníase é fundamental.

A utilização de instrumentos rotatórios ultrassônicos somada ao campo de trabalho voltado para cavidade oral torna o cirurgião-dentista especialmente exposto à infecção pelo M. leprae. Sem embargo, a adoção de métodos de biossegurança, como a utilização de luvas, máscaras, óculos e jaleco durante a realização de procedimentos que produzem aerossol, minimiza o risco de infecção. É primordial a identificação de indivíduos suspeitos de hanseníase durante o atendimento odontológico, desse modo, pode-se fazer o devido encaminhamento ao médico que irá confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento ou excluir a possibilidade da doença (9).

Referências bibliográficas

  1. Silva Junior, Geraldo Bezerra da, Elizabeth De Francesco Daher, Roberto da Justa Pires NETO, Eanes Delgado Barros Pereira, Gdayllon Cavalcante Meneses, Sônia Maria Holanda Almeida Araújo, Elvino José Guardão Barros, et al. “LEPROSY NEPHROPATHY: A REVIEW OF CLINICAL AND HISTOPATHOLOGICAL FEATURES”. Revista Do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 57, no 1 (fevereiro de 2015): 15–20. https://doi.org/10.1590/S0036-46652015000100002.

  1. Lockwood Dnj. Leprosy. In: Burns Da, Breathnach Sm, Cox Nh, Griffiths Cem, Editor. Rook’s Textbook Of Dermatology, 7th Ed. Oxford: Blackwell Publishing; 2004. P. 29.1 -29.21.

  1. Puneeta, Md Siraj UR Rahman, B. Subhada, Rahul Vinay Chandra Tiwari, M S Nabeel Althaf, e Monika Gahlawat. “Oral manifestation in leprosy: A cross-sectional study of 100 cases with literature review”. Journal of Family Medicine and Primary Care 8, no 11 (15 de novembro de 2019): 3689–94. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_766_19.

  1. Abdalla, Ligia Fernandes. “Pesquisa de Mycobacterium leprae no periodonto, saliva e em raspados intradérmicos de pacientes com hanseníase.”, 24 de junho de 2010. https://tede.ufam.edu.br//handle/tede/3647.

  1. Filgueira, Adriano de Aguiar, Márcio Anderson Cardozo Paresque, Sandra Maria Flor Carneiro, e Ana Karine Macedo Teixeira. “Saúde bucal em indivíduos com hanseníase no município de Sobral, Ceará”. Epidemiologia e Serviços de Saúde 23, no 1 (março de 2014): 155–64. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000100015.

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  1. DESIKAN, K.V. Viability of Mycobacterium leprae outside the human body. Leprosy. Rev., v.48, p.231-35, 1977

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  1. Ministério Da Saúde (Br), Secretaria De Vigilância Em Saúde, Departamento De Vigilância E Doenças Transmissíveis: Guia Prático Sobre A Hanseníase 1. Ed. Versão Eletrônica, 2017.

  1. Mponda, Kelvin, George Anafi, Eric Thom Laja, Rapson Chidothe, Lawrence Mahuka, Ephraim Duncan, David Ng’oma, e Colette van Hees. “Knowledge About Leprosy Among Health Care Workers In Balaka District, Southern Malawi”. Preprint. In Review, 18 de setembro de 2020. https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-75435/v1.

  1. Boccolini, Cristiano Siqueira, Patricia de Moraes Mello Boccolini, Giseli Nogueira Damacena, Arthur Pate de Souza Ferreira, Célia Landmann Szwarcwald, Cristiano Siqueira Boccolini, Patricia de Moraes Mello Boccolini, Giseli Nogueira Damacena, Arthur Pate de Souza Ferreira, e Célia Landmann Szwarcwald. “Factors Associated with Perceived Discrimination in Health Services of Brazil: Results of the Brazilian National Health Survey, 2013”. Ciência & Saúde Coletiva 21, no 2 (fevereiro de 2016): 371–78. https://doi.org/10.1590/1413-81232015212.19412015.

  1. Resolução CFM nº 1780/2005, parágrafo 2º.

  1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Procedimentos Técnicos. Baciloscopia em Hanseníase. © 2010 Ministério da Saúde.

  2. Landeiro, Luana Gomes. “Inquérito Sorológico Para Hanseníase Em Profissionais De Saúde No Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes - Vitória - Espírito Santo - Brasil”, [S.D.], 72.