NĂŁo há dĂşvidas de que uma pessoa afetada pela hansenĂase da forma multibacilar que nĂŁo tenha recebido tratamento especĂfico com a poliquimioterapia seja a principal, mas nĂŁo a Ăşnica, fonte de infecção do Mycobacterium leprae. AlĂ©m de evidencias incontestáveis de transmissĂŁo zoonĂłtica da hansenĂase, o bacilo parece sobreviver no meio ambiente.
Zoonoses sĂŁo definidas como “doenças ou infecções transmissĂveis entre animais vertebrados e humanos”. Em 2008, Truman relatou que pacientes com diagnĂłstico de hansenĂase residentes no Texas, Louisiana e Mississipi, EUA, nĂŁo tinham contato com outras pessoas afetadas pela doença (1). Vários anos mais tarde, a evidĂŞncia obtida foi que a hansenĂase era uma zoonose atravĂ©s da identificação da mesma cepa do Mycobacterium leprae, em Dasypus novemcinctus e em humanos diagnosticados com a hansenĂase (2).
O tatu de nove bandas (Dasypus novemcinctus) Ă© um mamĂfero da ordem Xenarthra que no Brasil Ă© conhecido por variações da palavra tatu: tatu-verdadeiro, tatu-galinha, tatu-preto. Dasypus novemcinctus Ă© a espĂ©cie de tatu com maior distribuição geográfica, estendendo-se do sudeste dos Estado Unidos ao norte da Argentina.
Dentre os outros reservatĂłrios ambientais nĂŁo-humanos de M. leprae, estĂŁo inclusos esquilos vermelhos nas Ilhas Britânicas que alĂ©m do M. leprae, foram encontrados infectados tambĂ©m com M. lepromatosis, o outro agente etiolĂłgico conhecido da hansenĂase (3). Embora já tenha sido encontrada a presença de M. leprae viável em amostras de água (4), solo de diversos paĂses (5), e plantas (6), nĂŁo há consenso sobre a transmissĂŁo ambiental da hansenĂase (7). A evidĂŞncia de insetos vetores na transmissĂŁo da hansenĂase Ă© antiga (8), e recentemente foi encontrado M. leprae viável no trato gastrointestinal de triatomĂneos (Rhodnius prolixus) (9), e dentro da Entamoeba sp. apĂłs fagocitar o bacilo de Hansen (10). Parece ser possĂvel que o M. leprae utilize a Entamoeba sp. para sobreviver no meio ambiente e possivelmente, infectar outros organismos.
No Brasil, uma revisão sistemática e metanálise de Deps e colaboradores. estimaram que a prevalência de M. leprae em tatus selvagens no Brasil era equivalente a 1 em cada 10 animais infectados (11), embora não há evidência de uma distribuição uniforme da infeção em todo território brasileiro.
Embora a caça de animais silvestres no Brasil seja considerada crime (Art. 29 da Lei 9.605/1998), o hábito de capturar e consumir esses animais Ă© bastante difundido no paĂs e Ă© diretamente influenciado por fatores socioculturais.
A transmissĂŁo de pessoa a pessoa Ă© sem dĂşvida a forma principal de adquirir a hansenĂase. Entretanto, nĂŁo Ă© a Ăşnica forma pela qual a hansenĂase pode ser adquirida, sendo a fração de casos que poderiam ser atribuĂdos Ă transmissĂŁo zoonĂłtica ainda nĂŁo definida (7). A transmissĂŁo zoonĂłtica da hansenĂase estaria intimamente relacionada ao contato, captura e consumo de tatus (12).
No Brasil, como a hansenĂase nĂŁo Ă© oficialmente considerada uma zoonose, a orientação de evitar o contato e/ou consumo de tatus nĂŁo foi institucionalizada. A saĂşde humana está fortemente ligada Ă saĂşde animal e ambiental (7, 11) e uma abordagem transdisciplinar de SaĂşde Ăšnica Ă© essencial para o enfrentamento da hansenĂase.
Truman R. Armadillos as a Source of Infection for Leprosy. South Med J [Internet]. 2008 Jun;101(6):581–2. Available from: http://sma.org/southern-medical-journal/article/armadillos-as-a-source-of-infection-for-leprosy
Truman RW, Singh P, Sharma R, Busso P, Rougemont J, Paniz-Mondolfi A, et al. Probable Zoonotic Leprosy in the Southern United States. N Engl J Med [Internet]. 2011 Apr 28;364(17):1626–33. Available from: http://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMoa1010536
Avanzi C, Del-Pozo J, Benjak A, Stevenson K, Simpson VR, Busso P, et al. Red squirrels in the British Isles are infected with leprosy bacilli. Science. 2016 Nov; 354(6313):744–7. Available from: https://doi.org/10.1126/science.aah3783 PMID: 27846605
Mohanty PS, Naaz F, Katara D, Misba L, Kumar D, Dwivedi DK, et al. Viability of Mycobacterium leprae in the environment and its role in leprosy dissemination. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2016; 82(1):23–7. https://doi.org/10.4103/03786323.168935 PMID: 26728806
Lavania M, Katoch K, Sachan P, Dubey A, Kapoor S, Kashyap M, et al. Detection of Mycobacterium leprae DNA from soil samples by PCR targeting RLEP sequences. J Commun Dis. 2006; 38(3):269– 73. PMID: 17373359
Kazda J, Irgens LM, Müller K. Isolation of non-cultivable acid-fast bacilli in sphagnum and moss vegetation by foot pad technique in mice. Int J Lepr Other Mycobact Dis. 1980; 48(1):1–6. PMID: 6988344
Ploemacher T, Faber WR, Menke H, Rutten V, Pieters T. Reservoirs and transmission routes of leprosy; A systematic review. Franco-Paredes C, editor. PLoS Negl Trop Dis [Internet]. 2020 Apr 27;14(4):1–27. Available from: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pntd.0008276
Souza-Araujo HC de. Poderá o carrapato transmitir a lepra? Mem Inst Oswaldo Cruz [Internet]. 1941;36(4):577–84. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0074-02761941000400002&lng=pt&tlng=pt
Neumann A da S, Dias F de A, Ferreira J da S, Fontes ANB, Rosa PS, Macedo RE, et al. Experimental Infection of Rhodnius prolixus (Hemiptera, Triatominae) with Mycobacterium leprae Indicates Potential for Leprosy Transmission. Lanz-Mendoza H, editor. PLoS One [Internet]. 2016 May 20;11(5):e0156037. Available from: https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0156037
Lahiri R, Krahenbuhl JL. The role of free-living pathogenic amoeba in the transmission of leprosy: a proof of principle. Lepr Rev. 2008; 79(4):401–9. PMID: 19274986
Deps P, Antunes JM, Santos AR, Collin SM. Prevalence of Mycobacterium leprae in armadillos in Brazil: A systematic review and meta-analysis. Franco-Paredes C, editor. PLoS Negl Trop Dis [Internet]. 2020 Mar 23;14(3):e0008127. Available from: https://dx.plos.org/10.1371/journal.pntd.0008127
Deps P, Alves B, Gripp C, Aragao R, Guedes B, Filho J, et al. Contact with armadillos increases the risk of leprosy in Brazil: A case control study. Indian J Dermatol Venereol Leprol [Internet]. 2008;74(4):338. Available from: http://www.ijdvl.com/text.asp?2008/74/4/338/42897