Quais sĂŁo as fontes de M. leprae?

por PatrĂ­cia Deps,

Departmento de Medicina Social, Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil

LetĂ­cia Pedrini,

Mestranda
Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, Brasil

e Simon Collin.

Public Health England, Londres. Reino Unido.
1Âş/11/2020

Não há dúvidas de que uma pessoa afetada pela hanseníase da forma multibacilar que não tenha recebido tratamento específico com a poliquimioterapia seja a principal, mas não a única, fonte de infecção do Mycobacterium leprae. Além de evidencias incontestáveis de transmissão zoonótica da hanseníase, o bacilo parece sobreviver no meio ambiente.

Zoonoses são definidas como “doenças ou infecções transmissíveis entre animais vertebrados e humanos”. Em 2008, Truman relatou que pacientes com diagnóstico de hanseníase residentes no Texas, Louisiana e Mississipi, EUA, não tinham contato com outras pessoas afetadas pela doença (1). Vários anos mais tarde, a evidência obtida foi que a hanseníase era uma zoonose através da identificação da mesma cepa do Mycobacterium leprae, em Dasypus novemcinctus e em humanos diagnosticados com a hanseníase (2).

O tatu de nove bandas (Dasypus novemcinctus) é um mamífero da ordem Xenarthra que no Brasil é conhecido por variações da palavra tatu: tatu-verdadeiro, tatu-galinha, tatu-preto. Dasypus novemcinctus é a espécie de tatu com maior distribuição geográfica, estendendo-se do sudeste dos Estado Unidos ao norte da Argentina.

Dentre os outros reservatórios ambientais não-humanos de M. leprae, estão inclusos esquilos vermelhos nas Ilhas Britânicas que além do M. leprae, foram encontrados infectados também com M. lepromatosis, o outro agente etiológico conhecido da hanseníase (3). Embora já tenha sido encontrada a presença de M. leprae viável em amostras de água (4), solo de diversos países (5), e plantas (6), não há consenso sobre a transmissão ambiental da hanseníase (7). A evidência de insetos vetores na transmissão da hanseníase é antiga (8), e recentemente foi encontrado M. leprae viável no trato gastrointestinal de triatomíneos (Rhodnius prolixus) (9), e dentro da Entamoeba sp. após fagocitar o bacilo de Hansen (10). Parece ser possível que o M. leprae utilize a Entamoeba sp. para sobreviver no meio ambiente e possivelmente, infectar outros organismos.

No Brasil, uma revisão sistemática e metanálise de Deps e colaboradores. estimaram que a prevalência de M. leprae em tatus selvagens no Brasil era equivalente a 1 em cada 10 animais infectados (11), embora não há evidência de uma distribuição uniforme da infeção em todo território brasileiro.

Embora a caça de animais silvestres no Brasil seja considerada crime (Art. 29 da Lei 9.605/1998), o hábito de capturar e consumir esses animais é bastante difundido no país e é diretamente influenciado por fatores socioculturais.

A transmissão de pessoa a pessoa é sem dúvida a forma principal de adquirir a hanseníase. Entretanto, não é a única forma pela qual a hanseníase pode ser adquirida, sendo a fração de casos que poderiam ser atribuídos à transmissão zoonótica ainda não definida (7). A transmissão zoonótica da hanseníase estaria intimamente relacionada ao contato, captura e consumo de tatus (12).

No Brasil, como a hanseníase não é oficialmente considerada uma zoonose, a orientação de evitar o contato e/ou consumo de tatus não foi institucionalizada. A saúde humana está fortemente ligada à saúde animal e ambiental (7, 11) e uma abordagem transdisciplinar de Saúde Única é essencial para o enfrentamento da hanseníase.

Referências bibliográficas

  1. Truman R. Armadillos as a Source of Infection for Leprosy. South Med J [Internet]. 2008 Jun;101(6):581–2. Available from: http://sma.org/southern-medical-journal/article/armadillos-as-a-source-of-infection-for-leprosy

  2. Truman RW, Singh P, Sharma R, Busso P, Rougemont J, Paniz-Mondolfi A, et al. Probable Zoonotic Leprosy in the Southern United States. N Engl J Med [Internet]. 2011 Apr 28;364(17):1626–33. Available from: http://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMoa1010536

  3. Avanzi C, Del-Pozo J, Benjak A, Stevenson K, Simpson VR, Busso P, et al. Red squirrels in the British Isles are infected with leprosy bacilli. Science. 2016 Nov; 354(6313):744–7. Available from: https://doi.org/10.1126/science.aah3783 PMID: 27846605

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  6. Kazda J, Irgens LM, Müller K. Isolation of non-cultivable acid-fast bacilli in sphagnum and moss vegetation by foot pad technique in mice. Int J Lepr Other Mycobact Dis. 1980; 48(1):1–6. PMID: 6988344

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  9. Neumann A da S, Dias F de A, Ferreira J da S, Fontes ANB, Rosa PS, Macedo RE, et al. Experimental Infection of Rhodnius prolixus (Hemiptera, Triatominae) with Mycobacterium leprae Indicates Potential for Leprosy Transmission. Lanz-Mendoza H, editor. PLoS One [Internet]. 2016 May 20;11(5):e0156037. Available from: https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0156037

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  11. Deps P, Antunes JM, Santos AR, Collin SM. Prevalence of Mycobacterium leprae in armadillos in Brazil: A systematic review and meta-analysis. Franco-Paredes C, editor. PLoS Negl Trop Dis [Internet]. 2020 Mar 23;14(3):e0008127. Available from: https://dx.plos.org/10.1371/journal.pntd.0008127

  12. Deps P, Alves B, Gripp C, Aragao R, Guedes B, Filho J, et al. Contact with armadillos increases the risk of leprosy in Brazil: A case control study. Indian J Dermatol Venereol Leprol [Internet]. 2008;74(4):338. Available from: http://www.ijdvl.com/text.asp?2008/74/4/338/42897