Hanseníase no Espírito Santo:

Colônia de Itanhenga

(Colônia Pedro Fontes)

por Patrícia D. Deps

Professora TitularDepartamento de Medicina SocialPrograma de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, UFES. Brasil.

e Sebastião Pimentel Franco

Professor TitularPrograma de Pós-Graduação em História Social das Relações PolíticasUFES. Brasil.
10/08/2020

O Governo Federal do Brasil criou entre 1920 e 1924 em diversas unidades da federação uma política de saneamento rural de combate as doenças, entre elas a hanseníase. Entretanto, será partir da ascensão de Getúlio Vargas a partir de 1930 que veremos uma ação mais efetiva do Estado em relação ao combate e à assistência a hanseníase. Naquela época, foi identificado um grande quantitativo de pessoas afetadas pela hanseníase no Brasil. [1]

O isolamento compulsório destas pessoas em “colônias” no Brasil, consistiu numa urdida teia que unia poderes e saberes. Assim, a sociedade, os médicos, o poder público e os próprios enfermos foram convencidos erroneamente da necessidade de proteger as pessoas saidas de uma doença moléstia letal e contagiosa cujos agentes etiológicos se desconheciam.

Um exemplo dessa prática é a frase: “Em proveito dos sãos, perde o Lázaro a liberdade” – slogan da propaganda de educação sanitária da Sociedade de Proteção aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, publicada em 1931, que retrata bem a situação das pessoas afetadas pela hanseníase naquela época no Brasil. [2]

Naquela época, Souza-Araújo acreditava existir aproximadamente 50.000 pessoas afetadas pela hanseníase no País. O programa federal para combate a hanseníase era baseado na organização da pesquisa e do censo, e o tripe para controle da doença constituído pela colônia, dispensário e preventório. [3]

A decisão de construir ou não os hospitais colônias no Brasil era uma questão financeira, dependia de haver ou não recursos para tais obras e de quem haveria de financiá-las. Era dada como certa a necessidade destes hospitais colônias, e mais que certo o destino das pessoas afetadas por esta doença deveria ser o isolamento compulsório nessas instituições.

A história da hanseníase no estado do Espírito Santo está relacionada com a construção da Colônia de Itanhenga, ou Colônia Pedro Fontes. Até o ano de 1922, pouquíssimos casos de hanseníase foram diagnosticados no estado. Entretanto, foi após a chegada do médico Pedro Fontes, em 1927, no estado do Espírito Santo que os casos de hanseníase foram detectados. [4,5] Após alguns anos de trabalho visitando médicos e pessoas afligidas pela hanseníase na capital, Vitória, e no interior do estado, Pedro Fontes verificou a existência de 370 doentes. Em dezembro de 1930, Pedro Fontes enviou ao Capitão João Punaro Bley, Interventor do estado do Espírito Santo, um memorial sobre a situação da endemia e solicitou a criação de um espaço para isolamento das pessoas afetadas.

Inicialmente, a sugestão de Pedro Fontes para solucionar de forma provisória esse problema da falta de recursos foi que o estado criasse um asilo de emergência na Ilha do Cal, para o acolhimento imediato dos doentes[1,4]. Foi então que, em 1931, adaptaram nessa ilha uma casa para que recebesse mulheres e crianças, e, no ano seguinte, construíram, em anexo, um pavilhão que acolhesse os homens. Entretanto, Pedro Fontes defendia a construção de um hospital colônia para o isolamento obrigatório dos doentes [1].

Em abril de 1937, foi inaugurada a Colônia de Itanhenga, depois denominada Colônia Pedro Fontes[4].

Foto 1: Entrada da Colônia de Itanhenga (1937). Fonte: Souza-Araújo, 1937.

Planejada para receber até 380 internos, a Colônia de Itanhenga foi construída a 14 quilômetros da capital Vitória e a 80 metros do nível do mar, em Cariacica, município da região metropolitana da Grande Vitória. A área total da colônia era de 1.200 hectares, e foi dividida em três partes, cada uma com uma função específica: uma para a colônia propriamente dita; outra para o preventório ainda por ser construído; e uma terceira área, de finalidade agrícola, para acolher os futuros egressos do hospital colônia[4].

A recomendação do plano de construção das colônias era que os hospitais colônias destinados a pessoas afligidas pela hanseníase fossem divididos em três zonas distintas: sadia, intermediária e doente. Essa divisão tinha como objetivo preservar a integridade dos profissionais sadios que atenderiam aos doentes[4,5].

Todas as construções destinadas a utilização pela equipe médica, administração e demais funcionários sem a doença, localizavam-se na zona sadia. Já na zona intermediária ficavam os religiosos, os casos suspeitos, a cozinha, farmácia e laboratório. E a zona doente ou de contágio era onde se localizavam os 12 pavilhões do tipo “Carville” e as 20 casas que acomodavam os doentes, e demais construções destinadas à circulação dos mesmos. Além do campo de futebol, igreja, biblioteca, necrotério e do cemitério[4].

De maio a outubro de 1937, foram internadas na Colônia de Itanhenga 230 pessoas previamente diagnosticadas com hanseníase. Essas pessoas foram facilmente recolhidas pelo serviço de saúde e levadas a Colônia de Itanhenga, pois já tinham sido visitadas pelos médicos itinerantes e tinham recebido informações sobre a doença e a internação na Colônia[4].

Segundo o relatório publicado por Pedro Fontes, no ano de 1941 existiam 1.081 pessoas portadoras de hanseníase e 200 casos suspeitos. [1]

O internamento compulsório dos doentes de hanseníase foi abolido em 1962 após a descoberta de um tratamento eficaz e das recomendações internacionais da década de vinte, que aboliam o isolamento terapêutico. Apartir de 1962, surge período de análise e reestruturação dos hospitais-colônia no Brasil e ações dos movimentos sociais. A Colônia Pedro Fontes internou pessoas afetadas pela hanseníase até aproximadamente 1979. [6]

Foto 2: Morador do Hospital Colônia Pedro Fontes (2010). Por Tadeu Bianconi

Referências

  1. FRANCO, Sebastião Pimentel; BARROS, Luiz Arthur Azevedo. A lepra no Espírito Santo: de fagueira ilusão à Colônia de Itanhenga. Dimensões, Vitória, ES, v. 34, p. 228-254, 2015.

  2. MACIEL, L. R. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das políticas públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

  3. A INTERVENTORIA Federal e o Serviço de Prophylaxia da Lepra. Diário da Manhã, Vitória, ES, p. 3, 25 nov. 1934.

  4. SOUZA-ARAUJO, Heraclides Cesar de. A lepra no Espírito Santo e sua prophylaxia: A “Colonia de Itanhenga” – Leprosário modelo. Memória Instituto Oswaldo Cruz, v. 32, n. 4, p. 551-605, 1937.

  5. DEPS PD, SANTO RBE, MERÇON FS. Pedro Fontes, o médico que descobriu a hanseníase no estado do Espírito Santo, Brasil. Mirabilia Journal, Oct 2018 (11): 7-12.

  6. DEPS PD, CASER L, MENDES LA, FREITAS BA, QUINTELA L, CHICON CD, SIQUEIRA M, CATARINA MA. Have we learned from the mistakes of the past? Segregation of leprosy patients until the twentieth century. Mirabilia Journal, v. 5, p. 1-15, 2015.

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Egressa do Hospital Colônia Pedro Fontes