NAT-HANS: o primeiro teste baseado em PCR com boas práticas de fabricação para diagnóstico da hanseníase.

por Milton Moraes.

Chefe do Laboratório de Hanseníase da IOC-FIOCRUZ.
19/08/2021
Foto: Milton Moraes

Até hoje, não há testes diagnósticos de hanseníase considerados padrão-ouro. Testes para detecção indireta da doença, como análises sorológicas para identificação de anticorpos produzidos contra componentes do Mycobacterium leprae, foram desenvolvidos1. Uma frequência de 20-30% é observada em indivíduos saudáveis e a taxa de falsos negativos (pacientes paucibacilares que não apresentam anticorpos) sugere que esses testes, tal como desenvolvidos, não são adequados à utilização para diagnóstico2. Análises celulares são capazes de observar o aumento de secreção de citocinas, como interferon-gama, em culturas de células do sangue estimuladas com proteínas do M. leprae3. Essas técnicas são promissoras, mas ainda estão em fase de desenvolvimento. Metodologias mais laboriosas e que dependem de maior treinamento e infraestrutura, como a revelação de assinaturas moleculares específicas dos indivíduos doentes por meio da detecção de RNAm por PCR em tempo real (PCR-RT), estão avançando rapidamente4. O maior problema de todos esses métodos é a falta de estudos controlados e multicêntricos e o controle de qualidade dos reagentes com boas práticas de fabricação, o que leva à ausência de reprodutibilidade dos resultados.

A investigação direta do patógeno é uma alternativa, e, classicamente, a detecção por baciloscopia também carece de sensibilidade, embora seja utilizada devido à facilidade de execução do método. Ao longo dos últimos 30 anos, o Laboratório de Hanseníase foi pioneiro, no Brasil, quando da introdução da técnica de detecção do DNA de Mycobacterium leprae por PCR para o diagnóstico da doença, com o trabalho de Adalberto Santos5. Posteriormente, nosso grupo aprimorou o método a partir da técnica de PCR-RT. E, após 15 anos desde a publicação do primeiro artigo sobre o tema6, conseguimos finalizar o teste diagnóstico com boas práticas de fabricação, aprovado junto à Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) em uma parceria entre o Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), ambos da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). O artigo de 20066 e posteriormente o artigo de 20117, ambos de autoria principal de Alejandra Martinez, então doutoranda do Laboratório de Hanseníase, testaram diferentes regiões do genoma (alvos), indicando sensibilidade e especificidade de cada um deles. O PCR-RT, dada a diminuição da manipulação das amostras, e, também, a possibilidade de semi-automação com a eliminação de etapas laboriosas de processamento e avaliação dos resultados, permitiu o aumento da escala para as análises.

O Laboratório de Hanseníase é centro de referência junto ao Ministério da Saúde do Brasil e hospeda um ambulatório para diagnóstico, tratamento de pacientes e seus contatos domiciliares. A partir desses artigos seminais, estabeleceu-se, em projetos, uma rotina para acompanhamento de casos de diagnóstico difícil, tais quais os paucibacilares, e acompanhamento de contatos. Nesse período, o teste para pesquisa foi estruturado e o controle de qualidade interno foi definido com procedimentos operacionais padrão desenvolvidos por Suelen Moreira. Posteriormente, estudos do doutoramento de Raquel Barbieri demonstraram que nesses casos difíceis, em contraste com outras doenças dermatológicas, o PCR quantitativo (qPCR) aumenta a sensibilidade (57% para o qPCR), quando comparado com a histopatologia (35%)8. O estudo posterior para acompanhamento de contatos, chefiado por Fernanda Manta, confirmou a validade do exame molecular para diagnóstico da doença quando lesões suspeitas eram identificadas nesse grupo de contatos domiciliares dos pacientes. Entretanto, a positividade da qPCR em contato domiciliares saudáveis (sem lesões) não é um bom preditor de adoecimento9. Portanto, com esses dados, aperfeiçoamos o teste, com reagentes produzidos com boas práticas de fabricação pelos nossos parceiros do IBMP. Fernanda Manta juntamente com Alexandre Costa e Thiago Jacomasso do IBMP capitanearam os estudos de reprodutibilidade, estabilidade, repetibilidade, especificidade e sensibilidade, nos quais amostras clínicas de biópsias de pele foram utilizadas. Esse trabalho resultou em um dossiê submetido à ANVISA, que aprovou a solicitação do teste para ser usado em biópsias de pele de pessoas com lesões suspeitas de hanseníase e está compilado em um artigo submetido à publicação. O teste deve ser utilizado na rede de LACENs (Laboratórios Centrais dos Estados) com o apoio do Ministério da Saúde. Ainda, projetos que avaliam outras amostras clínicas, a exemplo de sangue e raspado dérmico, bem como variações técnicas na extração do DNA para aumento da sensibilidade e precisão do teste estão em andamento. A expectativa é que a chegada do teste à rede do Sistema Único de Saúde possa aumentar a precisão e a sensibilidade das análises, evitando diagnósticos tardios. Com isso, espera-se diminuir incapacidades e o diagnóstico de formas difíceis, o que possibilitará a interrupção da cadeia de transmissão que culmine com uma redução importante na incidência da doença; prevenir, consequentemente, as incapacidades e a doença em indivíduos menores de 15 anos.

Revisores do Corpo Editorial do iH

Marcos Túlio Raposo e Patrícia D. Deps.

Referências

1. Scaliante De Moura R, Calado KL, Leide M, Oliveira W, Bührer-Sékula S. Leprosy Serology Using PGL-I: A Systematic Review Sorologia Da Hanseníase Utilizando PGL-I: Revisão Sistemática. Vol 41.; 2008.

2. Leturiondo AL, Noronha AB, Do Nascimento MOO, et al. Performance of serological tests PGL1 and NDO-LID in the diagnosis of leprosy in a reference Center in Brazil 11 Medical and Health Sciences 1103 Clinical Sciences. BMC Infect Dis. 2019;19(1). doi:10.1186/s12879-018-3653-0

3. Hooij A, Geluk A. In search of biomarkers for leprosy by unraveling the host immune response to Mycobacterium leprae. Immunol Rev. 2021;301(1):175-192. doi:10.1111/imr.12966

4. Tió-Coma M, Kiełbasa SM, van den Eeden SJF, et al. Blood RNA signature RISK4LEP predicts leprosy years before clinical onset. EBioMedicine. 2021;68:103379. doi:10.1016/j.ebiom.2021.103379

5. Santos AR, De Miranda AB, Sarno EN, Suffys PN, Degrave WM. Use of PCR-Mediated Amplification of Mycobacterium Leprae DNA in Different Types of Clinical Samples for the Diagnosis of Leprosy. Vol 39.; 1993.

6. Martinez AN, Britto CFPC, Nery JAC, et al. Evaluation of real-time and conventional PCR targeting complex 85 genes for detection of Mycobacterium leprae DNA in skin biopsy samples from patients diagnosed with leprosy. J Clin Microbiol. 2006;44(9). doi:10.1128/JCM.02250-05

7. Martinez AN, Ribeiro-Alves M, Sarno EN, Moraes MO. Evaluation of qPCR-Based assays for leprosy diagnosis directly in clinical specimens. PLoS Negl Trop Dis. 2011;5(10). doi:10.1371/journal.pntd.0001354

8. Barbieri RR, Manta FSN, Moreira SJM, et al. Quantitative polymerase chain reaction in paucibacillary leprosy diagnosis: A follow-up study. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(3). doi:10.1371/journal.pntd.0007147

9. Manta FSN, Barbieri RR, Moreira SJM, et al. Quantitative PCR for leprosy diagnosis and monitoring in household contacts: A follow-up study, 2011–2018. Sci Rep. 2019;9(1):16675. doi:10.1038/s41598-019-52640-5