Neurólise na Hanseníase
por Luis Guilherme Rosifini Alves Rezende,
Milton Cury Filho,
e Nilton Mazzer.
A Hanseníase, ou doença de Hansen, é marcada pelo acometimento dos nervos periféricos, sendo mais comum nos membros superiores o acometimento do Nervo Ulnar. Tipicamente, a lesão neurológica é resultante da neuropatia infecciosa, causada pela infecção direta do nervo pelo M. leprae, sobreposta à resposta imunológica do hospedeiro; esta desencadeia um processo inflamatório local na tentativa de conter a bactéria, o que também está associado à uma compressão local do nervo. Esta compressão é interna, dentro do nervo, podendo haver a presença de abscessos (Figura 1), ou externa, do nervo.
Figura 1. Cotovelo direito de uma criança de 11 anos com abscesso no nervo ulnar por hanseníase (setas brancas).
Dessa forma, o paciente evolui com sintomas compressivos do Nervo Ulnar, com perda da sensibilidade do quinto e da metade Ulnar (“lateral ou externa”) do quarto dedo, com perda da destreza na mão e a presença de uma “garra” de gravidade variável destes dedos. É comum que os pacientes apresentem queixas de movimentos, como o de cruzar os dedos. Dor no local da compressão também é comum.
O tratamento cirúrgico é realizado através da liberação e neurólise do nervo acometido. No caso do Nervo Ulnar, é realizada uma liberação neural ao nível do cotovelo (no túnel cubital) e do punho (canal de Guyon), locais por onde o nervo passa até chegar na região de inervação da sensibilidade na ponta dos dedos, e região da inervação motora na mão. Desse modo, o nervo é liberado de tais túneis, e realiza-se uma neurólise externa, que é a retirada de porções cicatriciais (fibróticas) que recobrem o nervo, como consequência do processo inflamatório seguido de fibrose descrito na história natural da doença, conforme Figura 2. Essas cicatrizes ou fibroses perineurais são rígidas e comprimem o nervo. Também é realizada uma microneurólise interna, que é a abertura da membrana do nervo, para descompressão de seus fascículos (componentes individuais dos nervos), que podem estar comprimidos pelo epineuro fibrótico. Assim, com este procedimento, é possível que as porções íntegras do nervo possam regenerar e recuperar algum grau de função, além do paciente se beneficiar de melhora da dor. Os danos neurais, aparentemente irreversíveis, podem ser tratados com procedimentos cirúrgicos individualizados, sendo o sucesso da cirurgia dependente do tempo de evolução da lesão e da existência de estruturas neurais viáveis. Este procedimentos cirúrgicos são realizados por especialistas, em nível terciário e ambiente cirúrgico, como neurotizações, transferências tendíneas, procedimentos de partes moles e ósseos. Sem este tipo de tratamento cirúrgico alguns pacientes perdem a função neural de forma irreversível causando sério prejuízo na qualidade de vida.
Figura 2. Aspecto intraoperatório da liberação do nervo ulnar, contendo abscesso (setas).
Referências
Antia NH, Shetty VP: The peripheral nerve in leprosy and other neuropathies, New Delhi, 1997, Oxford University Press
Brand PW, Fritschi E: Rehabilitation in leprosy. In Hastings R, editor: Leprosy, New York, 1985, Churchill Livingstone
Bryceson A, Pfaltzgraff RE: Leprosy, New York, 1990, Churchill Livingstone.
Chang KV, Wu WT, Han DS, Özçakar L. Ulnar Nerve Cross-Sectional Area for the Diagnosis of Cubital Tunnel Syndrome: A Meta-Analysis of Ultrasonographic Measurements. Arch Phys Med Rehabil. 2018 Apr;99(4):743-757.
Lugão HB, Frade MA, Mazzer N, Foss NT, Nogueira-Barbosa MH. Leprosy with ulnar nerve abscess: ultrasound findings in a child. Skeletal Radiol. 2017 Jan;46(1):137-140.
Malaviya GN, Mishra B, Girdhar BK, et al: Calcification of nerves in leprosy—report of three cases. Indian J Lepr 57:651, 1985.
Said J, Van Nest D, Foltz C, Ilyas AM. Ulnar Nerve In Situ Decompression versus Transposition for Idiopathic Cubital Tunnel Syndrome: An Updated Meta-Analysis. J Hand Microsurg. 2019 Apr;11(1):18-27.
Srinivasan H, Palande DD: Essential surgery in leprosy. Techniques for district hospitals, Geneva, 1997, World Health Organization.